terça-feira, 4 de maio de 2010

Vereador livramentense suspeita de laudos da água do Rio Brumado

O vereador Paulo Roberto Lessa Pereira (PP), 40 anos, de Livramento de Nossa Senhora, Bahia, criticou os procedimentos e resultados das análises bacteriológicas e físico-químicas feitas pela Embasa, Lacen e Uesb, para aferir a qualidade da água do Rio Brumado, consumida pela população local e do município de Dom Basílio. Aponta indícios de escamoteamento e falta de clareza das informações, por parte da Embasa. Ele havia questionado a respeito o próprio engenheiro da Embasa, André Ribeiro de Castro, escalado para prestar esclarecimentos na Comissão Gestora da Água, dia 28 de abril, na Câmara Municipal. Embora os resultados indiquem que a água é imprópria para o consumo humano, Paulo Lessa considerou estranha a combinação de data, horário e locais de coleta de amostras, pelas três entidades, pertencentes ao Estado. O vereador, no quarto mandato, é da base partidária do governador Jaques Wagner, mas faz oposição ao prefeito de Livramento, Carlos Roberto Souto Batista (PMDB). Ontem, ele concedeu a seguinte entrevista ao “O Mandacaru”:

Por que o senhor disse que a Embasa não mostrou toda verdade?

Quem solicitou a análise ao Lacen (Laboratório Central do Estado, da Secretaria da Saúde) foi a promotora de Justiça da Comarca de Livramento, Maria Imaculada Jued Moysés, por conta de duas representações que recebeu, uma delas minha, denunciando o risco de degradação ambiental e para a saúde pública, representado pelo sistema de esgotamento sanitário de Rio de Contas, à época em construção, cujos dejetos estão sendo lançados no Rio Brumado. A solicitação feita à Embasa (Empresa Baiana de Água e Saneamento) e à Uesb (Universidade Estadual do Sudoeste Baiano) foi da Prefeitura de Livramento de Nossa Senhora, depois que o prefeito tomou conhecimento da contaminação da água. As solicitações partiram de fontes diferentes, em épocas diferentes, mas a coleta ocorreu no mesmo dia, horário e locais, pressupondo uma combinação prévia. Até a data de remessa dos resultados aos solicitantes foi a mesma, 19 de abril. Mas nada disso impediu a constatação da má qualidade da água.

Onde estão, então, a omissão da verdade e os desencontros de informações?

O alarme foi dado com o resultado de um exame inicial feito na água consumida pelos moradores do povoado de Barrinha, solicitado pela Associação dos Assentados do DNOCS, que acabou sendo confirmado pelos novos exames. Estes foram mais amplos e também concluíram pela impropriedade da água do Rio Brumado para consumo humano. Desconfio que esse consenso desfavorável não foi o esperado. Houve coletas em vários locais, feitas pelas três entidades, duas delas no povoado de Barrinha - no canal de irrigação do DNOCS e em domicílio. A terceira foi no leito do Rio Brumado, trecho da chamada Barraginha (barragem de derivação), de onde sai a água para a irrigação. Penso que as três amostras deveriam ter resultados parecidos, por ser da mesma água, sem tratamento, apenas captada em pontos diferentes. Mas só o resultado do Lacen revelou coerência. Devido à elevada quantidade de coliformes fecais, o Lacen considerou a água imprópria, enquanto Embasa e Uesb registraram “ausência” de coliformes, apesar das coletas terem sido concomitantes.

“O Mandacaru” reproduziu o laudo do “Exame Bacteriológico” da Embasa, onde as incompatibilidades a que me refiro podem ser constatadas. Para a amostra da Barrinha, a “contagem de bactérias heterotróficas”, por 100 ml de água, somou 8.550 e os “coliformes totais” 1.500, mas deu ausência de “coliformes termotolerantes” (coliformes fecais). Até um estudante de biologia sabe que o “ausente”, no caso, é incompatível com as outras duas contagens, a não ser que tenha havido erro ou manipulação. Na amostra colhida no canal do DNOCS, a contagem foi de 9.750 bactérias heterotróficas e 2.500 coliformes totais. É impossível ou muito difícil que com esses números não haja um índice elevado também de “coliformes termotolerantes”, mas o exame da Embasa só encontrou 200. Da mesma forma, a quantidade de 14.050 bactérias heterotróficas e 7.000 coliformes totais, encontrados na amostra da Barraginha, destoa dos 600 “coliformes termotolerantes” mostrados pela Embasa. Os mais de 14 mil encontrados mostram que é grande a concentração de matéria orgânica originária de dejetos sanitários, incluindo fezes. Isso indica que a contagem de “coliformes termotolerantes” pode estar acima do permitido, que é de 1.000 por 100 ml.

Os exames feitos pela Embasa, então, não são confiáveis?

Não podemos ser categóricos dizendo isso, mas a Embasa é a entidade que vem sendo questionada, ré no processo, digamos assim. Portanto, deveriam ser indicadas entidades neutras para realização dessas análises. Quando digo que houve escamoteamento de informações, é porque, na reunião da Comissão da Água, o engenheiro da Embasa não se preocupou em explicar o significado de números tão altos de “bactérias heterotróficas” e de “coliformes totais”, para índice tão baixo do principal contaminador, que são os “coliformes termotolerantes” (fecais). Ele se limitou, praticamente, a dizer que os 600 “coliformes termotolerantes”, por 100 ml de água, revelados na amostra coletada no leito do Rio Brumado (Barraginha), estão abaixo do limite legal admitido pelo Conama (Conselho Nacional do Meio Ambiente), que é de 1.000 coliformes por 100 ml, e que, portanto, a Embasa, na sua visão, não estaria contaminando a água. Disse que se pode tomar banho nessa água (balneabilidade), mas alertou que ela é imprópria para o consumo humano.

Também desconfio da “ausência” de “coliformes termotolerantes” na amostra colhida em domicílio da Barrinha, pois o resultado de outra amostra coletada a menos de mil metros foi de 200. Indagado sobre toda essa situação do povoado de Barrinha, onde a água é consumida in natura, o engenheiro da Embasa disse que a responsabilidade da empresa se limita às áreas contratadas com a Prefeitura, para suprimento de água. Para mim, houve combinação dessas entidades, com apoio da Prefeitura local, que inclusive mandou preposto fotografar as coletas, para que a Embasa pudesse ter tais argumentos. Quanto à solicitação do Ministério Público faltou convocar os autores das representações, para acompanhar o processo. O conjunto dessas incoerências nos obriga a duvidar e suspeitar também da qualidade da água, dita tratada, consumida na cidade.

O que o senhor considera como causa de tudo isso e como sanar o problema?

Não há o que esperar da Embasa. Ela se perdeu nas suas próprias informações. Contradiz-se, por exemplo, ao afirmar que está dentro da lei, quanto aos dejetos lançados no Rio Brumado, que se pode tomar banho na água, mas que ela é imprópria para o consumo humano. Nesse caso, como fica a situação de mais de 30 comunidades, envolvendo cerca de 10 mil pessoas, que consome essa água imprópria? Ao mesmo tempo em que diz isso o representante da empresa informa que o sistema de esgotamento sanitário de Rio de Contas não atende a várias condicionantes, motivo pelo qual a obra ainda não teria sido recebida pela Embasa. O engenheiro também não soube informar quantos domicílios já foram ligados à rede de esgoto. Isso indica que os resultados das análises que acabam de ser feitas não refletem a realidade.

A Embasa precisa mostrar os índices medidos antes do tratamento e depois, para que a população possa avaliar se melhorou ou não. Ela mesma afirma que a estação de tratamento de esgoto destina-se a reduzir de 50% a 90% as impurezas dos dejetos, após o que são lançados no rio. Mas não diz qual é o grau de contaminação dos dejetos antes e após passar pela estação. Isso deixa a população na dúvida e intranqüila. Em minha opinião, para a qualidade da água não piorar, o desejado é que, independente do limite legal, o remanescente de contaminação dos dejetos lançados no rio deve ser inferior ao que já existe na água natural do rio. Do contrário, seria uma grande burrice da nossa engenharia, sujar o que está limpo.

Na opinião do senhor, além da saúde pública, a economia, a produção agrícola podem ser afetadas pela contaminação da água?

Além de bactérias, os dejetos contêm substâncias químicas, cujas conseqüências exatas não conhecemos. Então, há o risco de tudo ser afetado. Mas o que acho pior é o risco para a saúde da população e a degradação ambiental. As autoridades de Livramento costumam ficar melindradas com as críticas que recebem e buscam até ameaçar os que criticam, dizendo que agem por motivações políticas. Ao invés disso, deveriam buscar soluções ou mesmo dar uma explicação. Chegamos a esse ponto com o problema da água porque as críticas não foram ouvidas e providências preventivas não foram tomadas. A situação é muito grave e tem uma dimensão que ainda não foi bem avaliada. Existe perigo, sim, para a economia, principalmente para o turismo, diante da ameaça ao nosso ponto turístico mais bonito, mais importante, que é a cachoeira de Livramento. Já imaginou o Rio Brumado ser morto, como foi o Taquari? A cachoeira também se degradará, nosso cartão postal desaparecerá, destruindo todas as possibilidades de incremento do nosso turismo, agora e no futuro.

O uso de água contaminada na irrigação e na lavagem de frutos poderá vir a dificultar a exportação do que é hoje o principal item da nossa economia. O mercado externo é muito rigoroso e muito sensível nesse sentido. Já imaginou também uma futura indústria de processamento de frutas, em Livramento, utilizando água com suspeita de contaminação? A situação requer, portanto, ação imediata por parte das autoridades, para não deixar o problema crescer ainda mais. Para preservar a saúde da população pode-se de imediato orientar as pessoas sobre providências emergenciais, no âmbito doméstico e, em plano mais abrangente, construir pequenas estações de tratamento nas comunidades que hoje consomem água in natura.

Isso seria paliativo. O senhor teria alguma idéia para solução definitiva do problema?

Poderia ser mais fácil, se o prefeito Carlos Batista, de Livramento, não estivesse do lado da Embasa, apoiando o projeto e minimizando os efeitos da contaminação. Ele prometeu monitorar, mas acabamos de constatar que o monitoramento não vinha sendo feito e as recentes análises apontam para um quadro em que a Embasa procura se eximir de qualquer responsabilidade fora do contratado com a Prefeitura, negando apoio à população que reside e vive sob a influência do Perímetro Irrigado do Brumado, bebendo água poluída e contaminada. Seria bom se o prefeito se sensibilize com o que vem acontecendo e adotasse a posição que vem sendo sugerida, inclusive pelo “O Mandacaru”, por exemplo, e pelo presidente da Câmara de Vereadores, Ilídio de Castro, que é evitar que os dejetos dos esgotos da cidade de Rio de Contas, mesmo dito tratados, sejam lançados no Rio Brumado.

O sistema que acabou de ser inaugurado está cheio de defeitos, não está funcionando a contento. Quando o bombeamento não funciona, e isso já aconteceu várias vezes, os dejetos são lançados diretamente no rio, in natura, sem passar pela estação de tratamento. Isso aconteceu, por exemplo, entre janeiro e dezembro últimos, coincidindo com um surto de diarréia em Livramento, cuja origem não foi explicada pelo Hospital Municipal. Entendemos ser obrigatória e urgente uma revisão daquele sistema de esgotamento sanitário e seria oportuno que, nessa reavaliação, fosse incluída uma solução definitiva para o problema, que pode ser o lançamento dos dejetos em terra e não nas águas do Rio Brumado, como vem ocorrendo.

Sobre isso, a Secretaria do Meio Ambiente de Rio de Contas apresentou à Comissão Gestora da Água uma proposta interessante, que é a reutilização da água em irrigação de campos de flores, lá mesmo em Rio de Contas, uma possibilidade de despoluição do rio e que ainda pode gerar emprego e renda. Deve, portanto, merecer, como foi solicitado, apoio dos três municípios - Rio de Contas, Livramento e Dom Basílio. A promotora de Justiça de Livramento, aliás, prometeu incluir a proposta no Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), que pretende negociar junto à Embasa.

Fonte: O Mandacaru

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