segunda-feira, 4 de julho de 2011

Disputa pela água: Comissão muda critério e pode prejudicar “Perímetro Irrigado”

Cerca de 500 pessoas se reuniram na Praça da Feira, na manifestação contra liberação da água

Em sua reunião ordinária de 29 de junho, a Comissão Gestora dos Açudes Públicos Brumado e Riacho do Paulo, que suprem lavouras nos municípios de Livramento de Nossa Senhora e Dom Basílio, no Sudoeste baiano, aprovou a liberação de descarga extra de 5 milhões de metros cúbicos de água, do Açude Luiz Vieira, no rio Brumado, exclusivamente para atender solicitação de produtores em Dom Basílio.

Os setores político e produtivo de Livramento reagiram exaltadamente, alegando que a decisão representa grave risco para as lavouras locais, podendo, inclusive, causar perda de safras. Devido à longa estiagem na região, havia um calendário de distribuição da água baseado no volume disponível na barragem. A princípio, não havia perigo, pelo menos até o próximo período chuvoso, previsto para os últimos meses do ano.

Pelo calendário, elaborado e aprovado anteriormente pela Comissão, Dom Basílio faria jus, em 2011, a 2,4 milhões de metros cúbicos, aproximadamente, além da água da Barragem do Riacho do Paulo. Com a graciosa liberação, ora aprovada, sua cota praticamente dobrou, em prejuízo dos demais produtores, ao longo do Rio Brumado, especialmente os do Perímetro Irrigado do DNOCS.

A Barragem Luiz Vieira, com capacidade de 105 milhões de metros cúbicos de água, está com apenas 24 milhões de metros cúbicos, próximo, portanto, do nível mínimo para preservação de sua estrutura, que é de 15 milhões de metros cúbicos. A reação, em Livramento, é pela manutenção do calendário anteriormente estabelecido. Houve uma manifestação, ontem, dia 30, às 17h, no centro da cidade, com a participação do prefeito municipal, Carlos Batista, de produtores, trabalhadores e comerciantes.

Estiveram presentes, ainda, os vereadores João Amorim, Ilídio de Castro e Paulo Lessa Pereira. À noite, foi realizada uma vigília, na própria barragem, que fica próxima à cidade de Rio de Contas. Ao falar na manifestação, em Livramento, o prefeito Carlos Batista, de forma sucinta, procurou colocar a questão nos termos em que, em tese, deve ser analisada e compreendida.

Apoiou o movimento, mas ressalvou que deveria ser de forma ordeira. Ponderou que “ninguém quer a ruína de Bom Basílio”, mas que a Barragem Luiz Vieira foi feita para irrigar o Perímetro Irrigado do DNOCS, que hoje tem 3.920 hectares plantados. Lembrou, também, que a área plantada total, dependente da água, supera a 12 mil hectares, dos quais 90% fora do Perímetro e pertencente a Dom Basílio.

Destacou, com muita propriedade, o que, talvez, seja o ponto mais grave de toda a questão, que já vem sendo motivo de alerta, há muito tempo, ou seja, “todos, ninguém é inocente, foram plantando ao longo de um rio que, sabidamente, é seco e só tem água quando a chuva vem de forma generosa”. E sempre quanto chove as discussões esfriam, voltando a serem lembradas somente nos picos da seca.

VEREADOR VÊ MOTIVO DE SUSPEIÇÃO

O resultado da votação, na Comissão Gestora da Água, causou estranheza generalizada. Primeiro, em razão de haver menos de 10 milhões de metros cúbicos de água disponíveis e serem liberados 5 milhões somente para Dom Basílio. Isso desfalca o próprio Perímetro Irrigado do Brumado, ao qual se destina, prioritariamente, a água da Barragem Luiz Vieira. Segundo, não houve justificativas técnicas para a liberação extra de volume tão grande de água, para Dom Basílio.

Estranha-se, também, que oito representantes de Livramento fossem a favor, mesmo diante dos riscos visíveis, para os dois municípios. Segundo o vereador Paulo Lessa, esses votos teriam sido por interesses pessoais, citando que alguns membros da Comissão têm clientes em Dom Basílio e quis agradá-los, temendo retaliações, o que não ocorreria em Livramento. Isso, na opinião do vereador, coloca esses integrantes do órgão sob suspeição, ensejando a necessidade do imediato afastamento dos mesmos.

Os votos foram abertos e estão sendo divulgados. Favoráveis: Paulo Sérgio da Silva Barros (Asamil), Marilho Machado Matias (Câmara), Arivaldo Correia Santos Pinheiro (Diocese), Jean Victor Teixeira Pereira (Inema), Pedro Antônio Oliveira Lima (DNOCS), José Ricardo Barreto Almeida (EBDA), Evanildo Machado Lima (Apemdaliv) e Antônio Roberto de Souza (CDL). Contra: Ricardo Ribeiro (exportador), Carlos Roberto Souto Batista (Prefeitura), Sebastião Nunes (Associações), Rosivaldo Romão (ADIB) e Moacir Coladete (Aspib).

SITUAÇÃO É DELICADA E EXIGE CAUTELA

Seja como for, a situação é muito delicada e exige cautela. Não se pode fabricar água nem inventar chuva. O caos se instalou, pela indiscriminada expansão da área plantada, sem levar em conta a capacidade hídrica da região. O assunto vem torto desde a implantação e desenvolvimento do Projeto de Irrigação, pelo DNOCS. Basta observar que de três blocos, mais de 30 anos depois, dois ainda não foram concluídos. (Veja reportagens do O Mandacaru e o livro Trajetória – Reportagens sobre Livramento de Nossa Senhora).

O responsável maior é o governo federal, através do Ministério do Interior, hoje da Integração Nacional, tendo como órgão executor o DNOCS. Mas houve a conivência das autoridades locais. Pertinentes as palavras do prefeito atual. Ele não criou o problema, que já vem torto há muitos anos. Mas liderados seus, com assento na Comissão Gestora da Água, votaram pela liberação da água, entre eles o contador da Prefeitura. Sinal de que teria faltado articulação ou empenho.

O comentário do vereador Paulo Lessa também merece atenção. Se integrantes da comissão votaram, de fato, devido a interesses pessoais, como ter clientela em Dom Basílio, devem ser afastados da Comissão, onde não representam seus negócios e sim os interesses da coletividade. A economia do município pode vir abaixo, por uma decisão irregular ou conveniente dessa natureza.

De qualquer forma, a decisão da Comissão, como bem disse o prefeito Carlos Batista, é autônoma. Só pode ser destituída por ela própria, em outra reunião, ou por sentença judicial. Resta, então, as autoridades locais, aí incluídos os prefeitos dos dois municípios, avocarem para si a questão e dar a ela o encaminhamento legal e civilizado indicado. Não pode ficar ao sabor das emoções.

Não se pode assistir de camarote ao nascimento de movimentos que podem representar conflitos graves entre duas comunidades irmãs. É nisso que dar esperar a crise da seca para discutir o problema. É hora de se pensar nas soluções já apresentadas, voltadas para o aumento da capacidade hídrica, com o aproveitamento racional da água. E não esquecer que, na reunião para tratar de uma solução definitiva para a questão, 61 deputados votados na região foram convidados. Somente um compareceu!

Leia integra da fala do prefeito

Fonte: Mandacaru da Serra


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