quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Memórias de um carnaval que se perde em lembranças


Com idade de 15 anos subi pela primeira vez as ladeiras de Rio de Contas, toda de pedregulho e cascalho, fui em busca de um carnaval que diziam ser de machinhas, máscaras e o povo na rua se divertindo. Ao chegar ao topo da serra me assustei com o que vi, pois o carnaval de machinhas e máscaras não existia mais, tinha lá um palco enorme com bandas de axé, muita gente em blocos concentravam-se de acordo com as classes sociais a que pertenciam. Ao lado do antigo presídio diversos blocos disputavam seu espaço. Na “muvuca”, no “gargarejo”,  a grande plebe, tive a clara experiência da divisão de classes numa festa que era para ser popular. Fiquei um tempo observando aquilo e pensei que os carnavais de machinhas tivesse acabado. Sai meio sem rumo e de repente escutei longe uma letra distante: “tá pensando que cachaça é água? Cachaça não é água não...” fui subindo em direção à igreja matriz e encontrei um caminhão ou somente sua carroceria, não me lembro bem, servindo de palco e um grupo de animados foliões se divertindo ao som dos antigos carnavais. Ganhei minha noite misturado àqueles foliões. A partir de então sempre que estivesse pela Bahia nos períodos de carnaval passei a frequentar Rio de Contas.  O carnaval de Rio de Contas não era mais o mesmo, era um carnaval que mudava e assumia o mundo das massas e as necessidades do capital como todas as festas do gênero país a fora.

Este ano completa 100 anos de história e parece que a descaracterização e a perda da memória vêm sendo ameaçada a cada ano. O barulho na cidade tornou-se infernal no período dessa festa, carros possantes com seus paredões de som fazem disputa pelas ruas da cidade estourando nossos tímpanos e nos obrigando ouvir “toscas letras”, coreografias que simulam atos sexuais a deixar qualquer atriz e ator pornô no chinelo, a tudo isso chamam de carnaval. Tudo bem que seja essa a festa da carne, essa é sua origem, mas não significa que necessariamente tenhamos de levar isso ao pé da letra. O que marca o homem como civilizado é o aprimoramento e a melhora daquilo que o afirma como humano, não o inverso e a reafirmação daquilo que o nega. Nesses anos todos sempre temos ouvido reclamações daqueles que habitam e cuidam da cidade, vivem nessa época uma grande invasão de turistas em busca desse carnaval que tornou-se um dos melhores do estado. Muitos moradores saem de suas casas e aproveitam o “boom” imobiliário para ganhar algum; o meio ambiente sofre com a grande quantidade de lixo, merda e xixi deixada pelas ruas e mananciais da cidade, etc. teríamos uma infinidade de aspectos negativos a elencar aqui, mas não é o caso, quero tratar especificamente da “festa” e da continuidade de sua descaracterização.

A festa é bonita e tem alguns caminhos a buscar, mas pessoalmente creio que o caminho traçado pelos administradores locais não esteja no rumo certo, privatizar a praça e transformar o espaço público como o de Rio de Contas em mais uma festa de camisas no período de carnaval é um grande equívoco administrativo e grande prejuízo para a cidade e o engrandecimento cultural da mesma, muitos poderão dizer que é somente um dia, mas é exatamente assim que começa, esse ano é um dia, no próximo dois e daqui a pouco acaba o carnaval de rua e vira somente a festa fechada como ocorreu em Salvador, como vem acontecendo com as cidades históricas mineiras, como aconteceu com a micareta de Vitória da Conquista e tantos outros exemplos dos quais muitos já falidos e talvez por isso buscam agora em Rio de Contas ganhar aquilo que já não se ganha em outros lugares porque lá terá garantia de público, coisa que não vem ocorrendo em outros eventos do mesmo gênero.

Seria maior benefício para a cidade que o poder legislativo aprovasse uma lei que regulamentasse a utilização de som na cidade e o poder administrativo o executasse, que controlassem a emissão de ruídos que deterioram os prédios históricos e o ouvido de seus visitantes; que ao invés do fechamento da praça para a exploração privada com velhas atrações e sertanejo universitário oferecesse uma agenda alternativa com a velha guarda e até mesmo os nascentes artistas do estado e da região. Que se pensassem um carnaval, não para se consumir e atender a indústria cultural de massas, mas para aprimorar e melhorar o gosto musical das novas gerações. Que incentivassem as crianças a se fantasiarem e saírem pela rua como espaço público e seguro sem divisões de tapumes que separa o que pode daquele que não pode pagar; que os velhos tivessem alegria ao saírem no parta de suas casas e em suas espreguiçadeiras aliviasse a saudade do passado das velhas marchinhas e das suas fantasias tão características e não a terem de sair da cidade por não suportarem o barulho em que ela se transforma.

Euvaldo Cotinguiba Gomes

3 comentários:

Nelson disse...

Tava pensando em ir para Rio de Contas no carnaval. Mas sair de Salvador, gastar gasolina, hospedagem, e etc para ver o que posso ver aqui, não da. Até são joão perdeu parte de sua essencia, vai em amargosa, senhor do bonfim, cruz das almas, tá tocando axé, música eletrônica, pagode. Claro que é nas festa privadas que são fora da cidade em alguma fazenda, mas mesmo assim é uma coisa entranha.

CIRANDA DE BONECOS disse...

Parabéns EUVALDO pelo belo texto reflete o pensamento de muitos de nós RioContenses. Não estamos dormentes quanto a todos esses aspectos que relatou. Por isso em 2012 foi encaminhado um abaixo assinado ao MINISTÉRIO PÚBLICO referente a poluição sonora no carnavale as medidas j[a estão sendo tomadas. E a ONG OASIS está promovendo um projeto de revitalização do carnaval Tradicional de Rio de Contas. Teremos a antiga lavagem do coreto, O PEQUI ELÉTRICO, estão acontecendo oficinas de máscaras, caretas e bonecões no Ponto de Cultura além de Pré Carnavais todos os domingos de janeiro até o carnaval . CONFIRAM NOSSO BLOG www.manduriodecontas.wordpress.com
ou www.cirandadebonecos.blogspot.com

Unknown disse...

Então, a palavra é nicho de mercado.
Quem quer carnaval do Axé music e outras similares do carnaval uniformizado do abadá, que vá mesmo para Salvador, Porto Seguro,etc, Rio de Contas tem que mostrar o seu diferencial, que só esta cidade sabe mostrar. Como todo mundo quer ser Salvador e Porto Seguro, este carnaval mais autêntico com real participação popular, com a criatividade das fantasias construídas por cada folião, já desapareceu em quase todas as cidades da Bahia. Invista em seu diferencial Rio de Contas e sua população só tem a ganhar, até mesmo ao atrair um público externo de maior qualidade educacional.