Com idade de 15 anos subi pela
primeira vez as ladeiras de Rio de Contas, toda de pedregulho e cascalho, fui
em busca de um carnaval que diziam ser de machinhas, máscaras e o povo na rua
se divertindo. Ao chegar ao topo da serra me assustei com o que vi, pois o
carnaval de machinhas e máscaras não existia mais, tinha lá um palco enorme com
bandas de axé, muita gente em blocos concentravam-se de acordo com as classes
sociais a que pertenciam. Ao lado do antigo presídio diversos blocos disputavam
seu espaço. Na “muvuca”, no “gargarejo”, a grande plebe, tive a clara experiência da
divisão de classes numa festa que era para ser popular. Fiquei um tempo
observando aquilo e pensei que os carnavais de machinhas tivesse acabado. Sai
meio sem rumo e de repente escutei longe uma letra distante: “tá pensando que
cachaça é água? Cachaça não é água não...” fui subindo em direção à igreja
matriz e encontrei um caminhão ou somente sua carroceria, não me lembro bem,
servindo de palco e um grupo de animados foliões se divertindo ao som dos
antigos carnavais. Ganhei minha noite misturado àqueles foliões. A partir de
então sempre que estivesse pela Bahia nos períodos de carnaval passei a
frequentar Rio de Contas. O carnaval de
Rio de Contas não era mais o mesmo, era um carnaval que mudava e assumia o
mundo das massas e as necessidades do capital como todas as festas do gênero
país a fora.
Este ano completa 100 anos de
história e parece que a descaracterização e a perda da memória vêm sendo
ameaçada a cada ano. O barulho na cidade tornou-se infernal no período dessa
festa, carros possantes com seus paredões de som fazem disputa pelas ruas da
cidade estourando nossos tímpanos e nos obrigando ouvir “toscas letras”, coreografias
que simulam atos sexuais a deixar qualquer atriz e ator pornô no chinelo, a
tudo isso chamam de carnaval. Tudo bem que seja essa a festa da carne, essa é
sua origem, mas não significa que necessariamente tenhamos de levar isso ao pé
da letra. O que marca o homem como civilizado é o aprimoramento e a melhora
daquilo que o afirma como humano, não o inverso e a reafirmação daquilo que o
nega. Nesses anos todos sempre temos ouvido reclamações daqueles que habitam e
cuidam da cidade, vivem nessa época uma grande invasão de turistas em busca
desse carnaval que tornou-se um dos melhores do estado. Muitos moradores saem
de suas casas e aproveitam o “boom” imobiliário para ganhar algum; o meio
ambiente sofre com a grande quantidade de lixo, merda e xixi deixada pelas ruas
e mananciais da cidade, etc. teríamos uma infinidade de aspectos negativos a
elencar aqui, mas não é o caso, quero tratar especificamente da “festa” e da
continuidade de sua descaracterização.
A festa é bonita e tem alguns
caminhos a buscar, mas pessoalmente creio que o caminho traçado pelos
administradores locais não esteja no rumo certo, privatizar a praça e
transformar o espaço público como o de Rio de Contas em mais uma festa de
camisas no período de carnaval é um grande equívoco administrativo e grande
prejuízo para a cidade e o engrandecimento cultural da mesma, muitos poderão
dizer que é somente um dia, mas é exatamente assim que começa, esse ano é um dia,
no próximo dois e daqui a pouco acaba o carnaval de rua e vira somente a festa
fechada como ocorreu em Salvador, como vem acontecendo com as cidades
históricas mineiras, como aconteceu com a micareta de Vitória da Conquista e
tantos outros exemplos dos quais muitos já falidos e talvez por isso buscam
agora em Rio de Contas ganhar aquilo que já não se ganha em outros lugares
porque lá terá garantia de público, coisa que não vem ocorrendo em outros
eventos do mesmo gênero.
Seria maior benefício para a cidade
que o poder legislativo aprovasse uma lei que regulamentasse a utilização de
som na cidade e o poder administrativo o executasse, que controlassem a emissão
de ruídos que deterioram os prédios históricos e o ouvido de seus visitantes;
que ao invés do fechamento da praça para a exploração privada com velhas
atrações e sertanejo universitário oferecesse uma agenda alternativa com a
velha guarda e até mesmo os nascentes artistas do estado e da região. Que se pensassem
um carnaval, não para se consumir e atender a indústria cultural de massas, mas
para aprimorar e melhorar o gosto musical das novas gerações. Que incentivassem
as crianças a se fantasiarem e saírem pela rua como espaço público e seguro sem
divisões de tapumes que separa o que pode daquele que não pode pagar; que os
velhos tivessem alegria ao saírem no parta de suas casas e em suas
espreguiçadeiras aliviasse a saudade do passado das velhas marchinhas e das
suas fantasias tão características e não a terem de sair da cidade por não
suportarem o barulho em que ela se transforma.
Euvaldo Cotinguiba Gomes
3 comentários:
Tava pensando em ir para Rio de Contas no carnaval. Mas sair de Salvador, gastar gasolina, hospedagem, e etc para ver o que posso ver aqui, não da. Até são joão perdeu parte de sua essencia, vai em amargosa, senhor do bonfim, cruz das almas, tá tocando axé, música eletrônica, pagode. Claro que é nas festa privadas que são fora da cidade em alguma fazenda, mas mesmo assim é uma coisa entranha.
Parabéns EUVALDO pelo belo texto reflete o pensamento de muitos de nós RioContenses. Não estamos dormentes quanto a todos esses aspectos que relatou. Por isso em 2012 foi encaminhado um abaixo assinado ao MINISTÉRIO PÚBLICO referente a poluição sonora no carnavale as medidas j[a estão sendo tomadas. E a ONG OASIS está promovendo um projeto de revitalização do carnaval Tradicional de Rio de Contas. Teremos a antiga lavagem do coreto, O PEQUI ELÉTRICO, estão acontecendo oficinas de máscaras, caretas e bonecões no Ponto de Cultura além de Pré Carnavais todos os domingos de janeiro até o carnaval . CONFIRAM NOSSO BLOG www.manduriodecontas.wordpress.com
ou www.cirandadebonecos.blogspot.com
Então, a palavra é nicho de mercado.
Quem quer carnaval do Axé music e outras similares do carnaval uniformizado do abadá, que vá mesmo para Salvador, Porto Seguro,etc, Rio de Contas tem que mostrar o seu diferencial, que só esta cidade sabe mostrar. Como todo mundo quer ser Salvador e Porto Seguro, este carnaval mais autêntico com real participação popular, com a criatividade das fantasias construídas por cada folião, já desapareceu em quase todas as cidades da Bahia. Invista em seu diferencial Rio de Contas e sua população só tem a ganhar, até mesmo ao atrair um público externo de maior qualidade educacional.
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