sexta-feira, 28 de agosto de 2009

Maria Brandão – Negra e comunista

Do Jornal A Tarde / Por Jaime Sodré
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Estávamos no Santo Antonio Além do Carmo, sentados à Rua dos Perdões, nas escadarias do Convento, onde, segundo contavam, o cardeal Da Silva agredira uma feira. Um bairro cheio de estórias e histórias. Os Perdões é a passagem do desfile de 2 de Julho, onde saudávamos os nossos heróis, em especial “os cabocos”.

Subindo regularmente, ia dona Romana, nossa velha baiana de acarajé em direção à Quitandinha do Capim, onde se instalava, após arremessar pequenos acarajés e água, a título de saudar os caminhos e abrir a venda. Naquela mesma artéria, em direção contrária, desfilava garbosa, semelhante à dona Romana, a personagem que conseguia calar as nossas conversas, admirados da sua postura, história e estórias. Era dona Maria Brandão.

Em nossos ouvidos vibrava o que se contava sobre ela: “Ela é Negra e Comunista” ou “Imagine, Negra e Comunista”. Para nós uma figura admirável, soava-nos como símbolo de coragem, tão ao gosto da juventude. Pouco sabíamos sobre ela, alem do rosto redondo e a sua roupa leve, aos ventos da liberdade, a caminho do Corta Braço.

O pouco que sei contarei, relatos como o de Carlinhos Marighela, recomendando-me para aliviar a minha curiosidade, buscar o Sr. Contreiras, esposo da ex-deputada Amabília, além do ex-deputado Fernando Santana. Contarei o que encontrei em publicações escassas. Seguirei pesquisando, prometo-me.

Recordo das palavras de um militante negro, que dizia, evidentemente magoado, sobre as agressões insanas da tortura, onde o que mais ouvira de seus algozes era a frase: “Já viu negro se meter em política e ainda comunista”. Voltemos a Maria Brandão. Encontro-me nas páginas do livro Mulheres Negras no Brasil. Monumental trabalho de Shuma Schumaher e Érico Vital Brazil, uma foto exibe D. Maria, mãos ao queixo, pensativa.

Nascida a 22 de julho de 1900 em Rio de Contas. Maria Brandão dos Reis, segundo os autores, “foi um exemplo de mulher negra envolvida na política”. Impressionou-lhe a passagem da Coluna Prestes, avivando o amor pelo Partido Comunista Brasileiro. Idealista, mudou-se para Salvador como destacada liderança. Abriu uma pensão na Baixa dos Sapateiros, (daí o seu deslocamento pela Rua dos Perdões) onde, além de alimentar e hospedar estudantes, caprichava na instrução política destes “filhos adotivos”, ampliando-a para as questões sociais. Piedosa, ajudava aos necessitados.

Em 1947, entrou em ação concreta quando os moradores do Corta Braço foram ameaçados de perderem as suas casas. Ela os ajudou, organizando-os em uma vigília e vibrante passeata de protesto. Como devotada da paz engajou-se na campanha do partido em 1950, encarregando-se da fundação de diversos conselhos em vários municípios. Por sua atitude determinante e incansável, recebeu a indicação de “Campeã da Paz”.

O lado dramático desta história registra-se em um desapontamento imperdoável. Segundo os autores, a premiação pelo seu feito e sua convicção pacificadora, deveria ser realizada em Moscou, onde D. Maria Brandão receberia pessoalmente e merecidamente, o reconhecimento pelo seu idealismo, mas por decisão do partido, ela foi substituída por uma “jovem intelectual”. Esta nem se quer recusou, colaborando com esta desconsideração a uma “senhora negra” de jovens ideias e comprovadas lutas. Mas este fato não passou impune, pois manifestou veementemente a sua revolta frente às lideranças comunistas, registrando para a história desta agremiação política um capitulo menos digno.

Veio o golpe militar de 1964, D. Maria mobiliza-se para escapar da prisão, refugiando-se. De volta a Bahia, em 1965 foi alcançada pela polícia e submetida a interrogatório sobre o seu envolvimento com as idéias comunistas. O inquérito não evoluiu, talvez por reconhecê-la com um verdadeiro agente da paz e que apenas, por sua generosidade, queria um povo feliz, bem alimentado e instruído, conforme demonstram as suas ações naquela pensão, e para isso escolhera a política.

D. Maria Brandão dos Reis, encerrou a sua atividade em nosso mundo em 1965, aguardando o nosso reconhecimento, com o seu nome, quem sabe, nomeando uma das nossas ruas ou na fachada de uma escola?

Em tempo:
Por conta da repercussão desse nosso artigo, publicado na página de Opinião de A TARDE, orgulhou-me a ligação do professor-doutor Luiz Henrique, referencia dos historiadores, que registrou o seu afeto, afirmando tê-la conhecido pessoalmente; agradeço a gentileza da Sra. Consuelo Mascarenhas, oferecendo-nos um livro do seu pai, alusivo a D. Maria; os amigos George Gurgel, do Diretório do PPS-BA, manifestou interesse sobre o tema, e Antonio Codes, solicitou alguns esclarecimentos.

Ebomi Cidália solicitou que registre-se a simpatia da sua mãe D. Maria Santiago Piedade, na época leitora do jornal “O Momento”, admiradora de Carlos Prestes. O Sr. Enéas Estrela informou o local de nascimento de D. Maria em Rio de Contas, Bahia. Ele conhece os familiares da mesma, os quais necessitam de ajuda. Enéas reafirmou o empenho de D. Maria em proteger perseguidos políticos.

Perguntas para aprofundar a pesquisa sobre o tema:

Quando surgiu o Partido Comunista do Brasil?

O que foi a Coluna Prestes?

Quais os acontecimentos envolvendo o Partido Comunista durante o Estado Novo?

Qual a diferença entre o Partido Comunista e o Partido Comunista do Brasil?

Jaime Sodré é historiador, professor e religioso do candomblé.

Fonte: Jornal A Tarde

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